Detecção precoce da Tuberculose em uma equipe de Atenção Primária Prisional
Mural de Práticas
Nacional | Rio de Janeiro
Janeiro / 2021 - Atual
Pessoa em privação de liberdade; Servidores penitenciários
Promoção da Saúde; Educação em Saúde; Prevenção de Doenças e Agravos;
Tuberculose;
Detecção precoce da Tuberculose em uma equipe de Atenção Primária Prisional
Autores:
Jurema Boscardin; Lilian da Costa Simões; Iago Lourenço de Lima; Juliana Morais Silva Cavalcanti; Helenita Duarte de Albuquerque
Do que trata a experiência?
Trata-se de um estudo descritivo, qualitativo, do tipo relato de experiência de uma Equipe de Atenção Primária Prisional (eAPP) a respeito da busca ativa de custodiados que apresentem sintomas respiratórios (SR), investigação diagnóstica, controle e acompanhamento dos casos de tuberculose.
Que motivos levaram à realização da experiência?
O cenário desse Relato de Experiência é a Unidade Prisional Evaristo de Moraes, localizada em São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ. Onde encontram-se cumprindo pena privativa de liberdade cerca de 3.000 homens adultos, com idade entre 18 anos completos a 60 anos incompletos, distribuídos em 29 celas. Onde não haviam sido implantadas atividades rotineiras para a detecção precoce dos sintomáticos respiratórios e a dispensação era mensal, mas sem que eles passassem por consulta com enfermeiro ou médico.
Quais objetivos foram pensados?
Implantar ações prioritárias e rotineiras para a busca ativa de custodiados que apresentem sintomas respiratórios (SR), como também a detecção passiva entre os custodiados que procuram espontaneamente a eAPP com outras queixas, em consonância com as recomendações da OMS, que propõe o Tratamento Diretamente Observado (TDO).
Qual o passo-a-passo da realização da experiência?
Conforme recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a eAPP realiza o rastreio e a detecção precoce conforme relatado abaixo:
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Busca ativa e passiva dos SR entre os custodiados que demandam por acolhimento em saúde junto a eAPP, quer apresentem ou não os sintomas clássicos da TB.
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Treinamento entre pares: Para a identificação dos SR que se encontram nas celas, a eAPP tem realizado treinamentos:
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com os custodiados que se encontram exercendo a função de “faxinas” trabalham na limpeza, cozinha, etc);
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com os profissionais da equipe de segurança.
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Com o objetivo de disseminar informações sobre os sintomas da tuberculose entre seus pares e capacitá-los para identificação dos SR que apresentem sintomas ou queixas sugestivas para tuberculose durante a “ronda” realizada diariamente nas 29 celas.
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Consulta de enfermagem para identificação dos sintomas sugestivo para tuberculose: Os custodiados identificados com algum sintoma sugestivo para tuberculose durante a busca ativa ou passiva, são atendidos pela eAPP no Ambulatório de Saúde como demanda espontânea ou demanda programada, onde é realizada a investigação diagnóstica. A eAPP procura estar atenta não só para os sintomas clássicos e indicativos de tuberculose (tosse com ou sem catarro, falta de apetite, emagrecimento, fraqueza, suor noturno, febre baixa ao entardecer, cansaço), como também a outros sinais e sintomas que o custodiado possa apresentar como queixa principal durante uma consulta com a equipe técnica (médico ou enfermeiros) como febre, dor torácica, dispneia, perda ponderal ou outros além da tosse;
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Ofertado o teste rápido para HIV.
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Realizada a coleta de escarro, que são encaminhados para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Gericinó onde é realizado o teste de Raio X. Os profissionais da SEAP, lotados naquela UPA, lançam no Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL) o resultado do exame de Raio X e o da baciloscopia.
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Preenchimento da Ficha de Notificação de TB é inserida no SINAN-Rio para os casos confirmados de TB.
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Coinfecção Tuberculose-HIV: esses custodiados iniciam o tratamento para tuberculose (comum ou multirresistente), e, após a 1ª semana são encaminhados para consulta com infectologista. A terapia antirretroviral (TARV) tem início entre a 2ª e a 8ª semana após o início do tratamento para tuberculose e segue a prescrição feita pelo infectologista. Findo o tratamento o paciente é novamente encaminhado ao infectologista para a reavaliação.
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Início do tratamento: no momento de seu retorno, a equipe do Serviço de Operações Especiais(SOE) entrega à eAPP um documento que informa se o paciente está com tuberculose pulmonar ou ganglionar.
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Consulta compartilhada com enfermeiro e farmacêutico: o custodiado com diagnóstico de tuberculose (ou coinfecção Tuberculose-HIV) passa então por sua primeira consulta. Onde lhe é informado sobre sua doença (ou coinfecção), a duração do tratamento prescrito, a necessidade da avaliação dos contatos próximos, a importância da regularidade das doses, e as graves consequências da interrupção do uso dos medicamentos.
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Avaliação da percepção do custodiado sobre o tratamento, suas queixas e sintomatologias. Momento onde é abordado o estigma referente à tuberculose (ou sobre a coinfecção tuberculose-HIV), bem como outras dificuldades que possam interferir na evolução e adesão ao tratamento. É também informado que qualquer sintoma ou incômodo deve ser relatado para que possa ser programada uma consulta como demanda espontânea a qualquer momento do tratamento. E, quando necessário, são encaminhados para consulta com a médica da eAPP
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Dispensação da medicação: acientes em 1ª fase do tratamento, que realizam tratamento com o seguinte esquema:
1ª fase do tratamento: esquema RIPE (Rifampicina, Isoniazida, Pirazinamida, Etambutol), a dispensação da medicação tem sido feita pelo farmacêutico da eAPPde forma individualizada.
Dispensação semanal: Nesta 1ª fase os pacientes costumam apresentar reações adversas e por isso é tão importante que o acompanhamento da dispensação da medicação seja realizada semanalmente, inclusive para evitar o abandono do tratamento em razão de alguma possível reação adversa.
Oportunizar relatos dos sintomas adversos, dificuldade de adesão, etc. Ao longo das semanas ao perceberem a significativa melhora dos sintomas adversos, a adesão ao tratamento se consolida.
2ª fase do tratamento, que utilizam Rifampicina, Isoniazida nos últimos quatro meses de tratamento, a dispensação continua sendo feita de forma individualizada e realizada mensalmente.
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Controle e acompanhamento dos casos de tuberculose a eAPP implantou uma planilha, cujos dados são alimentados desde o momento que o custodiado retorna da UPA. adequada a cada fase e acompanhamento da evolução do tratamento.
Quais os materiais utilizados nas ações?
Cartazes informativos sobre o que é a tuberculose, sintomas e tratamento e formas para preveni-la e a Cartilha utilizada para treinamento dos ACS utilizada para treinamento dos “faxinas” (custodiados que trabalham naquela unidade prisional e fazem a ronda diária nas celas).
Quais foram os resultados?
Desde que foi iniciada a consulta conjunta com enfermeiro e o farmacêutico para avaliação diagnóstica e dispensação da medicação, a adesão ao tratamento de Tuberculose é de 100%.
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Acredita-se que o custodiado ao entender a importância da regularidade da dose diária da medicação para a cura total, ele próprio passa a ser corresponsável por seu cuidado. O que parece se confirmar com os relatos de se sentirem acolhidos e acompanhados durante o tratamento ministrado pela eAPP. Mas, o mais importante, eles relatam, com satisfação, a respeito do conhecimento adquirido sobre o que é o tratamento para tuberculose, duração, a forma de contágio, sintomas adversos, etc.
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Um dos próximos desafios a serem enfrentados para detecção precoce consiste em realizar a consulta programada para o custodiado no momento de seu ingresso na Unidade Prisional Evaristo de Moraes e esperamos contar, mais uma vez, com o apoio da direção.
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Passados quase um ano da implantação (setembro/2020), podemos dizer que a construção do cuidado em uma unidade prisional esbarra em muitas dificuldades. Acreditamos que a principal delas é com relação às medidas de segurança e as regras internas a que está submetida não apenas a população privada de liberdade, como também, os profissionais de saúde e os agentes de segurança penitenciária que lá exercem suas funções laborativas.
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E, claro, os desafios são muitos, mas certamente é importante que a “Secretaria Estadual de Saúde e a Secretaria Estadual da Administração Penitenciária, considere estratégias de humanização que atendam aos determinantes da saúde na construção e na adequação dos espaços das unidades prisionais, garantindo a salubridade dos ambientes onde estão as pessoas privadas de liberdade, inclusive, adaptando e promovendo acessibilidade para atender as pessoas com deficiência, idosas e com doenças crônicas e o apoio intersetorial para realização das ações de saúde desenvolvidas pelas equipes de saúde no sistema prisional”.
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Espera-se que as estratégias desenvolvidas possibilitem uma atenção integral às pessoas que se encontram cumprindo pena privativa de liberdade na Unidade Prisional Evaristo de Moraes, melhorando sua qualidade de vida e incentivo ao exercício da cidadania e à redução do estigma social que acompanha a tuberculose, principalmente em unidades prisionais.
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E por fim, a implantação de uma equipe de Atenção Primária Prisional em uma unidade prisional tem tornado possível a realização, de ações para implantação e implementação de estratégias para rastreamento e enfrentamento dos casos confirmados não apenas de tuberculose, Tuberculose-HIV, mas também dos asmáticos e bronqueolíticos, hipertensos, diabéticos, insulinodependentes, Saúde Mental, DST/Aids, de forma articulada entre os profissionais da eAPP e os profissionais responsáveis pelas linhas de cuidado do Departamento Ações e Planejamento em Saúde (DAPS) da AP 1.0, fundamentais para o planejamento e desenvolvimento das estratégias de cuidado que a eAPP desenvolve na Unidade Prisional Evaristo de Moraes. E, que certamente, representam um importante avanço para a garantia do direito à saúde e erradicação da Tuberculose naquela unidade prisional.
Acredita que a experiência pode ser replicada em outros lugares?
A implantação de uma equipe de Atenção Primária Prisional (eAPP) é regida pelas normas que instituem a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), assim como pelos marcos legais que instituíram a Política Nacional de Atenção Primária à Saúde. E, sendo uma equipe de Atenção Primária o cuidado integral em saúde da população adstrita (no caso da eAPP: população privada de liberdade), envolve o conjunto de ações de promoção, prevenção de agravos, tratamento e seguimento. Estratégias para a detecção precoce dos sintomáticos respiratórios e da coinfecção TB-HIV são fundamentais e devem ser prioritárias para que o diagnóstico e o tratamento sejam iniciados o mais breve possível, evitar a proliferação da doença (ou coinfecção), especialmente em populações vulneráveis que encontram-se cumprindo pena privativa de liberdade.
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No entanto, alguns ambientes prisionais onde o “poder paralelo” tem forte influência sobre a população que se encontra privada de liberdade, provavelmente os obstáculos serão maiores e necessitarão do apoio não apenas da direção da unidade prisional, mas do governo do estado.